Este é o segundo texto escrito pela professora Ana Alecrim, para o blog Uirapuru e no texto de hoje, Ana indica uma série de livros pra lá de especial: uma indicação de amigo para amigo. A série Terra de Histórias, do autor Chris Colfer é um deleite para os amantes de contos de fadas! Vamos embarcar nesta aventura?
"É preciso cultivar em nossas crianças o hábito da leitura". Todo pai e mãe, com certeza, já ouviu essa frase ao menos uma vez na vida. Verdade inquestionável para alguns, lembrete na agenda para outros, motivo de angústia para muitos, "cultivar hábito de leitura" é algo muito mais bonito e fácil na teoria do que na prática.
Embora eu seja professora de Língua Portuguesa, com especialização em Teoria Literária e uma pessoa que tem a leitura como hobby, também me sinto, como mãe, angustiada com mais essa incumbência na lista de "responsabilidades" que chega anexada aos nossos filhos quando passam a ser nossos, ainda na barriga.
Em meados do ano passado, num dos incontáveis cafés na casa de minha querida amiga-irmã Maria Teresa, compartilhei com ela minha angústia: precisava fazer com que minhas filhas lessem mais; por conta da pandemia, elas estavam muito mais tempo na frente das telas, quer fosse do computador, quer fosse da televisão. E, como nos indica a obra de Maryanne Wolf, O Cérebro no Mundo digital, resenhada pela professora e parceira Mônica Martinez, telas demais interferem na plasticidade do cérebro humano e, com isso, na capacidade fazer de leitura profunda, inferências e até de desenvolver empatia. Se a tela era (e continua sendo) um artefato indispensável na nossa nova realidade, é preciso contrapô-la com momentos de leitura e fruição não-digitais. E, foi no meio dessa conversa, enquanto eu contemplava a biblioteca infanto-juvenil de Teresa atrás de novos títulos que pudessem atrair minhas filhas, que seu filho, João, retirou da estante um livro de capa verde, deu na minha mão e disse: "Tia, acho que a Helô vai adorar esse daqui". Li o título, escrito em dourado: "Terra de histórias: o feitiço do desejo", folheei o livro e percebi que, talvez, a Helô não tivesse ainda fôlego para lê-lo sozinha e, mesmo se tivesse, eu teria que ter um atrativo para a Isabella, ainda não alfabetizada. Ainda sim, o livro foi tão recomendado que peguei emprestado e pensei que pudesse haver um jeito de torná-lo atrativo para ambas.
Quando cheguei em casa com o livro, combinei com minhas filhas que leríamos um capítulo por noite. E foi assim que mergulhamos "de cabeça" e coração nesta saga, composta por seis volumes cujos personagens principais são um casal de gêmeos órfãos de pai: Alex e Conner Bailey.
No primeiro volume, "Terra de Histórias: o feitiço do desejo", os gêmeos, prestes a completar 12 anos, estão aprendendo a viver com a ausência do pai, morto um ano antes, num acidente de carro. Somado à saudade, eles ainda têm que lidar com a mudança drástica de estilo de vida e com a sobrecarga de trabalho da mãe, que, agora, assume a função de arrimo de família. Nesse contexto, a visita da avó paterna - uma senhora doce e amável - traz à tona lembranças das histórias de contos de fadas lidas pelo pai para os meninos quando pequenos. Ela dá para ambos, como presente de aniversário, o livro de onde o pai tirava as histórias que lia e que ficara sob guarda da avó até aquele momento.
Se o presente parece, num primeiro momento, simbólico pelo que representa na vida dos protagonistas, percebemos logo nos primeiros capítulos que ele não é um livro apenas, peça-chave para o desenrolar da história, ele é um portal para a Terra dos Contos de Fadas. Alex e Conner descobrem esse portal da maneira mais prática possível, ativando-o e, sem nenhum planejamento, sendo transportados para a Terra de Histórias.
Ali, eles se deparam com um mundo dividido em 10 partes:
Reino da Chapeuzinho Vermelho, cuja rainha é a Chapeuzinho Vermelho, eleita por voto direto depois de derrotar o Lobo Mau;
Reino Encantado, cuja rainha é a Cinderela;
Reino das Fadas, sede da Assembleia dos Felizes para Sempre;
Reino do Canto, terra da Rapunzel,
Floresta dos Anões, território em que ficam os vilões e todos os que não são bem vindos nos demais reinos;
Território dos Duendes e Trolls - lugar em que dos Duendes e Trolls ficaram radicados depois de instaurada a Assembléia dos Felizes para Sempre,
Baía das Sereias, reino da Ariel,
Reino Adormecido, cuja rainha é a Bela Adormecida
Reino do Norte, cuja rainha é a Branca de Neve
Império dos Elfos.
Assustados e maravilhados ao mesmo tempo com a descoberta de que a terra dos contos de fadas não somente existe, mas é um mundo com uma organização própria, os irmãos se dão conta de que retornar para casa e rever a mãe não será uma tarefa tão fácil e involuntária como foi chegar à Terra de Histórias. Com a ajuda de Froggy, um homem-sapo que vive escondido por vergonha de sua aparência, eles descobrem que a única forma de tentar voltar é coletando todos os objetos mágicos necessários para realizar o Feitiço do Desejo.
Assim, Alex e Conner partem para uma odisséia nesta nova Terra e se deparam com todos os personagens que povoaram não somente a infância deles, mas também a nossa. A construção do enredo traz nova roupagem a cada uma dessas histórias que não serão recontadas, mas que deverão ser nossas velhas conhecidas para que consigamos compreender o desenrolar dos fatos.
O leitor de Terra de Histórias, ao mesmo tempo em que é convidado a recuperar seu conhecimento sobre cada um dos principais contos de fadas, o vê sendo redimensionado quando se depara com o que acontece depois do "felizes para sempre", numa terra em que Duendes, Trolls, Fadas, Rainhas, Príncipes e Sapos não só coexistem, mas convivem como uma sociedade organizada com regras, problemas e desafios.
Longe do tradicional olhar para essas narrativas, Chris Colfer, autor da série (e ator do seriado Glee), atribui a cada uma das personagens uma construção mais real, moderna e menos maniqueísta do que a primeira, com a qual nos deparamos ainda na infância. Por isso mesmo, Terra de Histórias não é uma saga recomendada para crianças pequenas, ela tem um fôlego narrativo semelhante ao de séries como Harry Potter e Percy Jackson e pede do leitor um diálogo com outras narrativas que pode engrandecer a forma como nossos pequenos e jovens leitores olham para as produções literárias que nos cercam.
Assim como as aventuras de Potter e Jackson se tornam mais difíceis a cada livro, uma vez que esses heróis crescem, Alex e Conner Bailey, a cada volume, se deparam com um desafio maior do que o anterior. Se o primeiro e o segundo livros da série não estão interligados de forma intrínseca, a partir do terceiro livro: Terra de Histórias: o alerta dos Irmãos Grimm a narrativa segue num contínuum que soma aos tradicionais contos de fadas, personagens do universo do Mágico de Oz, Peter Pan, Robin Hood, Rei Arthur, Alice no País das Maravilhas e o enredo ganha riqueza de detalhes e construção capazes de transportar qualquer leitor - adulto ou criança - para uma nova dimensão nos clássicos da literatura juvenil mundial.
Aqui em casa, Terra de Histórias, inaugurou a tradição da leitura diária de livros de fôlego mais longos e um momento em que telas são desligadas e nos permitimos mergulhar no mundo do faz de conta à nossa sanidade, como já defendia Antonio Cândido. De capítulo em capítulo, em menos de um ano, lemos os seis livros da série e já estamos no segundo volume de Percy Jackson. Hoje, divido os turnos de leitura com minhas duas filhas, à proporção da capacidade de leitura de cada uma delas, uma com 11 e outra com 7 anos, e não abrimos mão do nosso momento de narrativa e convívio familiar.
Mais do que uma indicação de leitura, Terra de Histórias, foi uma nova forma que encontrei de me reconectar às minhas filhas e de nutrir nelas o amor pelos livros sem que isso se tornasse uma "obrigação diária" como todas as outras que enfrentamos no nosso cotidiano.
Livros que compõem a série:
Terra de Histórias: O feitiço do desejo
Terra de Histórias: O retorno da Feiticeira
Terra de Histórias: O alerta dos Irmãos Grimm
Terra de Histórias: Além dos reinos
Terra de Histórias: A odisseia de um escritor
Terra de Histórias: A colisão dos mundos
Referências bibliográficas:
Colfer, Chris: Terra de Histórias: O feitiço do Desejo. São Paulo: Benvirá, 2012. 392 páginas
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ___. Vários Escritos. 5 ed. São Paulo: Duas Cidades, 2011.
WOLF, Maryanne: O cérebro no Mundo Digital. São Paulo: Contexto, 2019